Tucunduba, o rio fragmentado

A importância do rio Tucunduba – ou igarapé, como é conhecido afetivamente – pode ser medida pela quantidade de moradias que ocupam as suas margens. É fácil entender o motivo: grandes cidades surgem ao redor de rios.

Eles são fundamentais para diversas atividades humanas, como o transporte, a alimentação, o abastecimento de água, o lazer. Mas alguns rios perdem a capacidade de oferecer esses recursos por causa da interferência humana.

Foi o que aconteceu com o Tucunduba, em um longo processo que envolve ocupação desordenada e omissão do poder público. Situações que o transformaram em depósito de lixo e esgoto.

Ame o Tucunduba – A atual realidade do rio Tucunduba motivou a criação do projeto de extensão da UFPA: “Práticas Vivenciais para o Reconhecimento de Bacias Hidrográficas Urbanas”, realizado em parceria com a ONG Ame o Tucunduba.

Criada em 2016, a ONG realiza expedições em cinco pontos do rio, além de rodas de conversa em escolas e atividades para ocupar espaços ociosos nas margens do Tucunduba. Com essas práticas, uma das cofundadoras do projeto, a oceanógrafa Micaela Valentim, acredita que a relação das pessoas com o rio e a cidade pode melhorar.

“A gente acredita que você só ama alguma coisa se você conhece, então o que a Ame faz é levar essa informação sobre as águas urbanas da cidade. E, a partir desse momento, despertar esse sentimento de pertencimento com o rio e motivar que as pessoas comecem a cuidar dele”, afirma Micaela.

Expedição Tucunduba: do Marco ao Campus da UFPA, no Guamá.

A última expedição para conhecer o rio ocorreu no dia 21 de novembro, de 2017, percorrendo os cincos bairros que compõe a bacia hidrográfica do Tucuncuba: Marco, Canudos, Terra Firma, Guamá e Universitário.

O roteiro começa no Marco, onde uma das nascentes do rio Tucunduba está preservada atrás das grades de uma mansão de 600 metros quadrados. A residência fica na travessa Angustura, entre as avenidas Almirante Barroso e João Paulo II. A inclinação das travessas nesse perímetro indica a presença de um rio, já que a nascente se forma das águas que escorrem dos pontos mais altos, mas o Tucunduba quase já não pode ser visto em sua totalidade. Da nascente, o Tucunduba segue por debaixo de casas até ressurgir no poluído canal da Angustura.

A próxima parada da expedição é no bairro de Canudos. O canal da Cipriano Santos é um dos afluentes do rio Tucunduba e também está totalmente transformado pela ação humana. Suas margens viraram concreto e asfalto. A água de coloração cinza quase não corre mais. Mesmo que o rio esteja ali, visível, é como se já não existisse, e a sensação de estar no que seriam as suas margens é a mesma de estar diante de um morto.

A expedição segue até uma ponte na avenida Celso Malcher, no bairro da Terra Firme. Ali, no lugar de concreto e ruas, há moradias que chegam a invadir o leito do rio. A coloração da água é preta. A margem do rio está livre em um pequeno trecho próximo à ponte. Nesse espaço, o projeto Ame o Tucunduba mantém uma horta comunitária e realiza atividades culturais como forma de manter viva a relação dos moradores com o rio.

Na penúltima parada, a expedição chega à fronteira do bairro Terra Firme com o bairro Guamá. Nesse ponto, o rio ainda é navegável. Algumas embarcações chegam trazendo produtos. Também é possível ver o andamento das obras de macrodrenagem da bacia do Tucunduba. Desde que o projeto foi lançado em 1998, já sofreu diversas alterações e ficou parado entre os anos de 2005 e 2016. O plano inicial previa uma integração maior entre a população e o rio, com áreas de lazer e arborização, mas não há nada disso na obra atual.

O estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental, Laércio Rosa, ainda era criança quando teve a casa remanejada das margens do rio por conta das obras de macrodrenagem. Desde então, a paisagem e o Tucunduba mudaram bastante, relembra o estudante. “Eu era criança e enxergava o rio como uma forma de lazer. Eu pescava com o meu irmão, com meus primos. A gente soltava barquinho nos rios, ficava puxando com linha. E os colegas tomavam banho no rio, que a gente sempre chamou de igarapé. Tinha mais essa função de lazer”.

Para Laércio, essas atividades soariam estranhas atualmente por conta das transformações no rio. “O rio se modificou, modificou a estrutura, modificou o uso, a forma de acesso. Antigamente, era uma coisa imediata, eu descia pra parte de baixo de casa e, pronto, já tava lá. Hoje o rio já não tem mais essa função de lazer, pelo menos não como antes”, acredita Laércio.

A expedição Tucunduba termina na Universidade Federal do Pará, onde o rio se encontra com o rio Guamá. É um cenário bonito. As árvores que ocupam as margens formam um túnel verde e o rio parece menos poluído. O servidor público Norberto Marques acredita que a partir de ações de conscientização dos problemas ambientais é possível mudar a realidade dos rios urbanos. “Mudar principalmente a consciência que a gente tem em relação ao meio ambiente, ter uma percepção diferenciada do nosso comportamento em relação ao meio ambiente é um dos resultados dessa expedição”, considera Norberto.

Da nascente até a foz, o rio Tucunduba se fragmenta de diversas maneiras. Em certos pontos, perde totalmente o contorno. Torna-se reto, domesticado. Em outros, as moradias dão forma às suas margens. No último trecho, na Universidade Federal do Pará, é possível imaginar como o rio poderia ser caso não tivesse sofrido tantas intervenções. E, assim, o Tucunduba continua, insistindo em correr até a sua foz, apesar de tudo.

Reportagem: Leonardo Rodrigues
Fotos: Danyllo Bemerguy

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