Os aplausos fazem parte da rotina do teatro, mas os sons que ecoavam no Teatro Universitário Cláudio Barradas na noite de 28 de junho foram especiais e direcionados ao reconhecimento de uma figura importante para a dramaturgia paraense e para a Universidade Federal do Pará, a professora Maria Sylvia Nunes.
Ela nasceu em Belém, em 7 de janeiro de 1930, se formou pela antiga Faculdade de Direito do Pará, mas sempre foi apaixonada pelo universo da arte. Como leitora de francês, começou a traduzir peças para interpretar com um grupo de jovens na década de 1950. Assim nasceu o Norte Teatro Escola do Pará, que movimentou a cena cultural de Belém e ganhou reconhecimento até fora do estado. Uma das principais montagens foi a de “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, espetáculo premiado no primeiro Festival de Teatro Estudantil, realizado em Recife (PE), em 1958.
O Norte Teatro Escola do Pará, liderado por Maria Sylvia e Benedito Nunes, também foi o embrião da criação do Serviço de Teatro da Universidade do Pará, em 1962. O serviço cresceu e se transformou na Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA).
Além de ser a primeira diretora da escola, Maria Sylvia foi professora de história do teatro, história do espetáculo e teoria do teatro. Ela também foi a responsável por compor a primeira equipe de professores. Entre eles, estava o ator e diretor Amir Haddad, que compartilhou lembranças da experiência de trabalhar ao lado de Marya Silvia Nunes e atuar nos primeiros anos da Escola. “Eu sou um artesão, mas a pedra fundamental desse edifício importante é ela. Sou grato a ela. É uma pessoa excelente e tem sido, nesses 60 anos, uma grande companheira. O Norte, a Amazônia e o Pará devem muito a ela. A vida cultural da região deve muito a ela. Ela é uma celebridade amazônica”
O trabalho pioneiro, iniciado há 60 anos, já impactou e ainda hoje está presente na vida de milhares de pessoas. Maria Sylvia Nunes também esteve envolvida na criação de vários projetos importantes para a arte no estado, como a Academia Paraense de Música, a Orquestra Sinfônica e o Festival de Ópera do Theatro da Paz.
Além disso, inspirou várias gerações de artistas que reconhecem a importância dela e da ETDUFPA para o cenário da arte e da cultura no Pará, como conta a professora, atriz e diretora de teatro, Wlad Lima. “Eu acho que a Universidade Federal do Pará, através da sua Escola de Teatro e Dança, mantém vivo na cidade uma coisa que é político-cultural pras artes. E essa mulher fundou tudo isso. Eu fui aluna dela. Ela sai exatamente no momento que eu entro e me prepara pro concurso. E é uma geração de mulheres loucas e talentosas fazendo arte aqui”.
Reconhecimento – Pela trajetória dedicada à educação e à arte, Maria Sylvia Nunes foi homenageada com o título de professora emérita. A cerimônia foi realizada no Teatro Universitário Cláudio Barradas e reuniu amigos, professores, artistas e admiradores do trabalho da professora.
O evento também foi uma celebração da arte, com apresentações de poemas, música e teatro realizadas pelo professor Marton Maués, a pianista Ana Maria Adade, o tenor Guto Ó de Almeida e o grupo Palhaços Trovadores.
O reitor da Universidade afirmou que a concessão do título vem ao encontro da estatura intelectual, ética e acadêmica da professora. Emmanuel Tourinho também mencionou valores que marcam a trajetória de Maria Sylvia Nunes, como a sabedoria, o compromisso com a evolução do pensamento e da sociedade, e com a formação de pessoas.
“Esse momento tem um simbolismo muito forte primeiro porque nós estamos homenageando a professora Maria Sylvia que foi fundadora da Escola de Teatro da Universidade, que a partir daí desempenhou um papel fundamental na formação de várias gerações de artistas e de acadêmicos das artes, contribuindo não apenas pra enriquecer o ambiente da Universidade, mas o ambiente cultural de todo o estado. Ele tem também um simbolismo especial na medida em que nós estamos falando da importância das artes dentro da Universidade e dentro da sociedade em um momento em que a gente vê certas críticas, certas restrições que tendem a desqualificar um projeto que depende das artes e das humanidades. (…) A Universidade não entende ser possível construir uma sociedade de que a gente possa se orgulhar sem as artes, sem a cultura”, declarou o reitor.
No discurso de agradecimento, lido por Gilberto Chaves, Maria Sylvia Nunes destacou algumas lembranças do período de surgimento da ETDUFPA. “Trabalhamos sempre de maneira harmoniosa e mesmo com parcos recursos técnicos e palcos improvisados obtivemos bons espetáculos. Assim, os três primeiros professores da Escola: Amir, Carlos Eugênio e Iolanda, além de ensinarem os alunos a expressarem-se convincentemente no palco, deram a eles a visão de que o teatro é obra coletiva e também ética e política (…). Esses três pioneiros não só formaram atores, mas criaram público e deram a esse público o gosto pelo bom e belo, que é o começo do senso crítico”, dizia o texto em que a professora compartilhou o reconhecimento com alunos e professores que fizeram e fazem parte da história da Escola.
O título de professor emérito é uma das principais honrarias do meio acadêmico e é direcionado aos docentes reconhecidos pela atuação, relevância e projeção do trabalho realizado. Maria Sylvia Nunes é apenas a quinta mulher a receber a homenagem e a primeira da área de artes.
Reportagem: Fabrício Queiroz
Fotos: Alexandre de Moraes / Ascom UFPA