Mulher, Gênero e Violência

No mês da mulher, o UFPA Pesquisa não poderia ficar de fora das discussões em torno do público feminino. E para falar sobre o tema Mulher, Gênero e Violência, o programa convidou Tainara Lúcia Pinheiro, graduanda do curso de Ciências Sociais da UFPA e pesquisadora do Grupo de Pesquisa “Nós.Mulheres: pela equidade de gênero étnico-racial” da UFPA, e a delegada Janice Maia de Aguiar, diretora da Divisão Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM-Belém).

Ainda que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) tenha permitido o avanço nas conquistas de direitos do público feminino, a violência contra mulheres continua com números elevados, colocando o Brasil em quinto lugar no ranking dos países nessa categoria de crime.

A violência de gênero foi um dos assuntos discutidos no programa. A violência doméstica e familiar e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher estão descritos na nova legislação como elementos de violência de gênero, integrando ao crime de feminicídio.

De acordo com Tainara Pinheiro, uma das bases da formação sociocultural brasileira está associada ao sexismo, compreendido como a discriminação ou a objetificação baseadas no sexo ou gênero de uma pessoa. “Compreende-se como violência de gênero a violência praticada por um gênero sobre o outro. No Brasil, assim como no mundo, a violência de gênero é praticada pelo homem contra a mulher. Por conta da lógica patriarcal construída historicamente em nosso país, a violência de homens contra mulheres, hoje, se dá em todas as esferas da nossa sociedade, até mesmo nas Universidades”, explica a pesquisadora.

Tainara Pinheiro diz também que, além da lógica patriarcal, nós somos formados, também, em uma lógica racista. “Obviamente, as mulheres negras sofrem de maneira diferente e muito específicas em relação às mulheres brancas. Ou seja, além de sofrerem com o sexismo, essas mulheres também sofrem o racismo. E se essa mulher negra for da periferia, bissexual, lésbica ou trans? Ela vai sofrer violências específicas e sofre mais do que uma outra mulher que não se encaixa dentro desses marcadores sociais da diferença”, fala a pesquisadora.

O Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil, último levantamento sobre esse tipo de crime, mostra o aumento em 54% da taxa de mulheres negras assassinadas, entre os anos de 2003 e 2013, enquanto o número de homicídios de mulheres brancas diminuiu 9,8%, no mesmo período, o que revela a diferença entre as violências sofridas por mulheres negras e brancas. O estudo foi desenvolvido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em parceria com o escritório da ONU Mulheres no Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as mulheres (SPM) do Ministério das Mulheres, da Igualdade racial e dos Direitos Humanos.

A delegada Janice Maia de Aguiar explica como a Lei Maria da Penha classifica os tipos de violências contra a mulher. “Além da violência física, há a violência moral, a psicológica, a sexual e a patrimonial”, diz a diretora da DEAM. Mas, para Tainara Pinheiro, existem outras formas de violências, muitas vezes despercebidas pelas mulheres, e nem são previstas na legislação como violências. “Um exemplo é quando o companheiro pede para a mulher não usar certos tipos de roupas, pois fica enciumado, com o pretexto de cuidado. Esse tipo de relação de dominação, de subjugação, é socialmente muito naturalizado. É importante que as mulheres possam identificar esses tipos de violência”, afirma a pesquisadora.

Outro assunto discutido no programa foi sobre o feminicídio. De acordo com a delegada Janice Aguiar o feminicídio não se baseia no gênero, mas no sexo feminino. “O feminicídio tem essa particularidade. A Lei do feminicídio é bem específica, diferentemente da lei Maria da Penha, baseada no gênero. Logo, uma transgênero feminina não vai ser vítima de feminicídio, por mais que o crime tenha esse motivo e ela se identifique como mulher, pois a lei é bem específica e não deixou margem para outra interpretação”, afirma a delegada.

A delegada esclarece ainda que o artigo 121 (Decreto-Lei no 2.848, 1940) do Código Penal foi alterado, para incluir o feminicídio no rol dos crimes de homicídios e hediondos. “Foi criado um parágrafo com o intuito de agravar a situação do criminoso que mata a mulher com base na violência doméstica e familiar ou por ela ser mulher. Antes, ao matar a esposa dentro de uma violência doméstica ou familiar, o criminoso poderia ser sentenciado de 08 a 20 anos. A partir da lei do feminicídio, já é condenado de 12 a 30 anos de prisão”, explica a delegada. Ela também diz que para ser enquadrado como feminicídio, o crime de homicídio deve ser praticado contra a mulher, levando em consideração duas questões: ou dentro de uma violência doméstica e familiar ou então pelo simples fato de ela ser mulher.

Sobre o “Nós.Mulheres: pela equidade de gênero étnico-racial” da UFPA, Tainara Pinheiro fala a respeito da atuação, dos objetivos e das linhas de pesquisas do Grupo. “O Nós.Mulheres atua exatamente pensando nas interseccionalidades, entendidas como as diversas identidades das pessoas e que atravessam os seus corpos. Então, eu não posso pensar em uma mulher sem pensar qual a sua raça, faixa etária, etc., pois tudo isso influencia e forma aquela pessoa. A ideia do Grupo de Pesquisa é atuar exatamente a partir da interseccionalidade, como metodologia de análise do feminismo negro, principal área de atuação dentro do Grupo”, conta a pesquisadora.

O Nós.Mulheres, coordenado pela professora Mônica Prates Conrado, atua nas seguintes linhas de pesquisa: mídia e racismo, juventudes negras, gênero e violência, gênero e práticas educacionais, ações afirmativas em torno das populações negras, masculinidades negras, trans e travestis negras, estéticas e performances sexuais e de gêneros, lesbianidades negras e feminismos negros. “Às vezes, falamos de gênero e pensamos espontaneamente em mulheres, gênero feminino. Porém, o Nós.Mulheres atua pensando tanto no gênero feminino quanto no gênero masculino. A ideia é pensar o gênero e o próprio feminismo para além de algo específico de mulheres, mas as relações entre gêneros”, diz Tainara Pinheiro.

Os principais objetivos do Grupo são produzir projetos acadêmicos, assim como construir e fomentar os debates sobre as temáticas dentro da Universidade. A estudante de Ciências Sociais conta também que o Grupo recebe o apoio e parcerias de ONGs, comunidades tradicionais, organizações do movimento negro de Belém e de redes de mulheres negras de Belém. “Eu atuo sob orientação da professora Mônica Conrado, na linha de feminismos negros. O meu projeto agora é pensar como mulheres negras, dentro da Universidade Federal do Pará, campus Belém, têm experiências com situações de racismo e sexismo, institucionais ou não, dentro do espaço da Universidade. Nas entrevistas, ouço fortes relatos de mulheres que sofrem dentro da Instituição e, muitas vezes, as violências são provenientes de colegas de classe, professores e por fiscais de segurança. São violências diretas, relacionadas ao gênero e à raça”, revela Tainara Pinheiro.

Essas violências relatadas por Tainara e outros tipos de agressões a mulheres são registrados na DEAM, a Divisão Especializada no Atendimento à Mulher. A DEAM trabalha integradamente com o Propaz Mulher, dentro de um mesmo prédio. Serviços como o de acolhimento e atendimento policial à vítima são oferecidos pela divisão especializada. “Primeiramente, a vítima é acolhida pelas assistentes sociais. Se for identificado crime, ela será encaminhada à delegacia. Na delegacia, serão feitos alguns questionamentos e, a partir disso, será feito o boletim de ocorrência. Neste momento, também é oferecida a ela a medida protetiva. Depois, enviamos o caso para a Justiça”, explica a delegada.

Segundo a diretora Janice Aguiar, no Pará existem 16 Divisões Especializadas no Atendimento À Mulher. “Nós temos no mesmo local um atendimento multiprofissional. Temos enfermeiras, assistentes sociais, psicólogas, peritas. Desse modo, a polícia consegue se concentrar no trabalho dela e é um grande avanço, também, para a vítima”, diz. A DEAM de Belém fica no bairro do Marco e atende toda a Região Metropolitana. A DEAM de Ananindeua está em fase de término de construção.

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