Com quase 2 mil km de extensão, o rio Xingu é um dos espaços mais visados para a instalação de grandes projetos na Amazônia. Um empreendimento emblemático e polêmico nessa região é o da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, instalado no município de Altamira.
A região está nos planos de outros projetos, como o de instalação de uma mina de ouro a céu aberto da empresa canadense Belo Sun, no município de Senador José Porfírio. No início de fevereiro deste ano, a empresa conseguiu uma Licença de Instalação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) para o empreendimento na Volta Grande do Xingu. A mineradora estima retirar mais de 100 toneladas de ouro do local, em um período de aproximadamente 15 anos de exploração na região.
Mas a licença foi suspensa pela Vara Agrária e o Juizado Especial Ambiental de Altamira, acatando pedido da Defensoria Pública do Estado, que denuncia a compra ilegal de terras públicas pela empresa e a violação dos direitos humanos das comunidades tradicionais que habitam a Volta Grande do Xingu.
Para discutir esses impactos e a análise da atuação da empresa na região, o projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA) organizou o Seminário “As Veias Abertas da Volta Grande do Xingu”. O evento contava com a presença de pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), que realiza pesquisas e debates sobre o desenvolvimento e os efeitos de projetos que envolvem realidades marcadas por conflitos socioambientais.
O segundo dia de atividades do seminário, realizado no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), no campus do Guamá, no entanto foi marcado por tumulto e hostilidade, quando o evento recebeu o prefeito de Senador José Porfírio, Dirceu Biancardi, acompanhado por mais de 30 pessoas. O grupo, liderado pelo prefeito, exigiu que fosse ouvido.
No momento, Rosa Acevedo, professora e pesquisadora do NAEA, iria apresentar um estudo sobre a Nova Cartografia Social da região de Volta Grande do Xingu. Porém, mesmo com as tentativas de diálogo, foi impedida. “Eu expliquei para eles qual era o trabalho que estávamos realizando. Eu passei uns 10 minutos explicando como tínhamos iniciado esse trabalho, o momento em que fomos até lá para realizar a Cartografia da Volta Grande do Xingu, neste momento, eles começaram a gritar que eles queriam a reunião”, relata.
Segundo Rosa Acevedo, o clima ficou ainda mais tenso quando o prefeito do município de Senador José Porfírio, Dirceu Biancardi, ordenou que a porta do auditório fosse fechada, impedindo a saída das pessoas do local: “Os ânimos ficaram muito fortes, gritos, manifestações um pouco grosseiras. No momento já vimos que não parecia ter mais clima, que a melhor coisa era sair do auditório e fecharam a porta. Por algum tempo a porta ficou fechada, ninguém podia entrar e nem sair”, acrescenta a professora.
Para os manifestantes, a ação era para que o evento ouvisse os moradores favoráveis à instalação da mina. Silvanira Mendes, vereadora do município, era uma das integrantes do grupo que acompanhava o prefeito. Ela acredita que a instalação da Belo Sun na Volta Grande do Xingu trará melhorias para a condição de vida dos moradores. “Esse empreendimento vai ajudar sim, vai ajudar a melhorar a comunidade, vai ajudar a desenvolver com emprego e renda porque se nós formos ver, tanto emprego direto, como indireto, vai movimentar sim a região, tanto o município como os outros municípios do entorno”.
Além disso, a vereadora afirma que a maioria dos moradores de Senador José Porfírio apoia a chegada da empresa Belo Sun. “Senador José Porfírio, 80%, hoje, da comunidade, acredita que esse empreendimento vem nos ajudar a desenvolver o município”.
Mas movimentos sociais e pesquisadores criticam os benefícios desse tipo de empreendimento. Jane Silva, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), acompanha a atividade de mineração no Pará há mais de 30 anos e alerta para os perigos que a chegada da empresa Belo Sun poderá trazer para as comunidades da região da Volta Grande do Xingu. “Essas comunidades não vão mais existir, elas têm que entender isso. Elas não vão ficar morando onde elas moram hoje, eles vão ter que ser remanejadas para outro lugar. Vão ter que ser construídas casas para eles, eles vão ser remanejados, igual foi remanejado o pessoal de Belo Monte”.
Jane Silva também comenta sobre pouca mão de obra local será utilizada no projeto da maior mina de ouro do país: “Se é uma mina a céu aberto, ela vai ser toda mecanizada. A hora que a empresa se instalar, demarcar e tirar as famílias todas de lá, vai ser tudo mecanizado, vai ser tecnologia de ponta. Pode ser que operador de máquina eles aproveitem, treinem uns 10, 15, 20, 30, mas absorver toda essa mão de obra, como eles estão dizendo, não vão absorver, seguramente”.
Ao final da confusão ocorrida dentro da Universidade Federal do Pará, Rosa Acevedo se reuniu com a defensora pública estadual, Andreia Barreto e outros pesquisadores que participariam do Seminário para discutir providências contra a atitude do prefeito Dirceu Biancardi e seu grupo. “Nós estamos num espaço público, um espaço público que tem regras, nessas regras há autoridades, eu expliquei para eles tudo isso e eles não acataram”, afirma Rosa que registrou boletim de ocorrência na Polícia Federal contra o grupo relatando ameaças e cárcere privado.
Nas redes sociais, a Prefeitura de Senador José Porfírio nega que tenha capitaneado pessoas ou proibido a saída de pessoas do auditório onde se realizava o evento. Além disso, alega que o prefeito compareceu ao Seminário para defender os interesses da população.
O Núcleo de Altos Estudos Amazônicos repudiou as ações violentas ocorridas no evento. Na nota, o NAEA afirma que o “episódio nos preocupa, pois coloca em xeque o papel do NAEA e da UFPA na produção e socialização do conhecimento de alto nível, fundamentado em pesquisas rigorosas para subsidiar políticas que objetivem promover o desenvolvimento com inclusão socioambiental, ampliação e defesa dos direitos sociais e democráticos”.
Já a Universidade Federal do Pará, por meio de nota do reitor Emmanuel Tourinho, afirma que o ocorrido foi uma agressão à autonomia universitária e que a agressão à UFPA é também uma agressão ao Estado Democrático de Direito. Ressalta ainda que “exercer a liberdade de expressão e enfrentar os grandes debates nacionais com os instrumentos da ciência e do pensamento crítico são aspectos essenciais do trabalho das Universidades, no ensino, na pesquisa e na extensão, daí o princípio constitucional que estabelece a sua autonomia”.
Reportagem: Ryan Graves