“A gente fica lá, à mercê de tanta situação. E a gente tem que está realmente em busca de melhoria, em busca de condições para permanecer naquele local. E não tem como a gente não se envolver, né? Quem mora lá, quem é mãe, a gente pensa muito no futuro de nossas crianças e a gente acaba se envolvendo, realmente, na questão e lutando para que aquela região ofereça condições para que a gente permaneça naquele local”.
Esse é o relato de Bel Juruna, uma das lideranças indígenas da Aldeia de Paquiçamba, localizada na região da Volta Grande do Xingu, no Pará. Bel tem 30 anos e luta pelos direitos indígenas contra os empreendimentos de destruição que tanto acirram aquela região.
Com o avanço do projeto de mineração da Volta Grande, da canadense Belo Sun, proposto para ser instalado no município de Senador José Porfírio, indígenas da etnia Juruna tem se mobilizado para exigir sua consulta sobre o empreendimento. Mas ainda que o Plano de Consulta Prévia seja um direito das comunidades tradicionais, previsto na Convenção 169, é preciso realizar outros procedimentos.
“Nós elaboramos o protocolo para que o Estado reconheça e realmente nos consulte, porque é um direito nosso, está na Constituição. A gente quer primeiro que seja feito um estudo de impacto ambiental, com a nossa participação. Daí, então, a gente pode elaborar o plano de consulta”, explica Bel.
Disputas – O projeto de mineração na bacia do rio Xingu é um dos mais polêmicos em discussão na região. As disputas estão presentes, por exemplo, na batalha judicial para que as populações tradicionais sejam ouvidas.
No campo do conhecimento, o clima também é de conflito. No último dia 29 de novembro, um grupo com cerca de quarenta pessoas impediu a continuação do Seminário “Veias abertas da Volta Grande do Xingu”, realizado pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA). No evento seria apresentado um estudo de cartografia social com populações da área que pode ser afetada por um projeto.
A atitude do grupo capitaneado pelo prefeito de Senador José Porfírio, Dirceu Biancardi, motivou pesquisadores e ativistas a realizarem o debate “Mineração insistente, exigências insurgentes”, para discutir os direitos dos povos indígenas sobre o projeto Belo Sun e os impactos que poderão ser causados caso a mineradora seja instalada na região.
O evento contou com a presença de três indígenas da etnia juruna. Entre eles estava Bel Juruna. Organizado pelos grupos de pesquisa ReExisTerra e Ameríndia de Etnologia Indígena e pela Associação Yudja Miratu da Volta Grande do Xingu, o debate teve o intuito de fazer com que as vozes dos Juruna fossem ouvidas.
De acordo com Helena Palmquist, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia, já houve três julgamentos pelo direito de consulta prévia aos indígenas das etnias Juruna e Arara. Em todos, a causa indígena venceu. A ação já tramita na justiça desde 2013 e a Belo Sun nunca conseguiu ser desobrigada da consulta. “Agora, vamos para uma outra etapa da discussão que é garantir que essa consulta siga os moldes da Convenção 169, o espírito dela, que é o espírito de respeito à autodeterminação dos povos indígenas”, afirma Helena.
“A consulta prévia é fundamental, porque esse tipo de empreendimento pode mudar completamente a vida deles, como Belo Monte que foi feita sem consulta já modificou. Então, não é admissível que o estado, em pleno século XXI, imponha sua maneira de ver as coisas, o que ele entende por desenvolvimento. Ele não pode impor nos territórios de povos que tem modos de vida diversos dos nossos. Esses modos de vida têm que ser respeitados. O contrário disso é racismo, é etnocídio, é genocídio. E a nossa sociedade não pode mais permitir esse tipo de desenvolvimento que ignora quem está sendo desenvolvido”, explica a pesquisadora.
Para os pesquisadores, o poder econômico de empreendimentos como a Belo Sun é capaz de se sobrepor às exigências da legislação. Por isso, a Universidade possui um papel fundamental por contribuir com discussões críticas sobre os impactos desses projetos. //
“A gente precisa contrapor esses dados que são apresentados para a gente, esses dados que são produzidos pelas empresas que são diretamente interessadas na construção desses projetos. Então a gente precisa criar uma posição que crie a divergência desses dados para que a gente possa mostrar de fato como esses projetos podem ser nocivos para os povos indígenas, para as comunidades tradicionais, etc.”, disse Sabrina Nascimento, pesquisadora do NAEA e integrante do Grupo de Pesquisa ReExisTerra.
Convenção 169 – A Convenção foi elaborada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1989 e tem o Brasil como um dos países signatários. Um de seus objetivos é ser um instrumento de reconhecimento dos direitos sociais, culturais e territoriais de povos indígenas e tribais no âmbito internacional. Entre as garantias previstas está o direito de consulta prévia aos povos e comunidades tradicionais. Uma conquista que atende também povos ribeirinhos, quilombolas e outras populações que têm modos de vida etnicamente diferenciados. Para saber mais, clique aqui.
Reportagem e fotografia: Hojo Rodrigues